domingo, 7 de setembro de 2008

Aptos e inaptos - Correio do Estado - 05 de setembro de 2008

Editorial Correio do Estado - Sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Aptos e inaptos

Encerrada uma das mais acirradas disputas que a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) já vivei, da qual saiu vitoriosa a candidata Célia Maria da Silva Oliveira, que tende a ser a primeira mulher a comandar a instituição, chegou a hora de toda a comunidade acadêmica, composta por quase 20 mil pessoal, debater seriamente as regras do jogo eleitoral.

Caso contrário, o assunto só voltará à pauta na próxima disputa, em quatro anos, quando atritos semelhantes aos deste ano e de disputas passadas devem voltar a se repetir. Caso novamente se deixar o debate para modificar os critérios para a véspera da votação, dificilmente alguma mudança será feita. E, até mesmo para os defensores da atual lógica, este debate seria salutar, pois não mais poderiam ser acusados de antidemocráticos daqui a quatro anos.

As regras de hoje estipulam que o voto dos professores tem peso superior ao de técnicos e de estudantes. A conseqüência imediata disto é o desestímulo à participação dos acadêmicos na disputa, pois apenas 30% deles comparecem às urnas, ante 89% de participação dos docentes, o que é uma péssima lição para os jovens que estão em formação e, assim como durante o regime militar, são considerados inaptos para tomar decisões importantes na própria escola, embora estejam praticamente todos habilitados para votar em situações bem mais importantes, como na escolha de prefeitos, governadores e do presidente da República.

E, por conta da ausência do corpo discente, o peso do voto dos professores acabou tendo peso bem maior do que os 70% previstos, pois se simplesmente se atribuísse valor de 0,7 para professores e 0,3 para acadêmicos e técnicos, a candidata apoiada pela atual administração teria perdido por quase um ponto percentual. Mas a regra do jogo diz que quanto menor for a abstenção de cada categoria, mais vale seu voto, a professora/doutora foi declarada vitoriosa, com 41% a 26%, deixando claro que o voto dos docentes significou mais de 90% na complicada fórmula de apuração. E, se valesse o voto universal, ela teria perdido com quase dez pontos percentuais de diferença, 37,9% (2.665) a 47,1% (3.331) dos votos válidos. Quer dizer, estudantes e administrativos são chamados a participar somente para dar uma aparência de democracia, pois o que conta mesmo é o voto do professor(389 a 215), que desta forma transmite para o restante dos servidores públicos da instituição e principalmente aos seus alunos que está num outro nível, bem mais alto, com um poço de sabedoria do qual os comuns dos mortais precisam saciar. Uma (im)perfeita lição de pedagogia sobre a relação entre mestre e aluno.

Não se trata de questionar a competência administrativa do primeiro, segundo ou terceiro colocados na disputa, na qual todos entraram tendo pleno conhecimento das regras. Mas o que é fundamental é que os professores decidam se querem continuar sendo considerados mais capazes que o restante da comunidade e se querem manter o jogo de faz-de-conta, que não passa de uma farsa eleitoral. E este debate só será possível se os mesmos estudantes e técnicos que invadiram o prédio da reitoria colocarem madeira no fogo de palha aceso em meio à disputa eleitoral. Se realmente estiverem preocupados com o futuro da UFMS conseguirão levar adiante a bandeira balançada durante as manifestações. Caso contrário, estarão deixando claro que pretendiam somente fazer um piquenique sem enfrentar as intempéries que normalmente um acampamento no meio do mato traz consigo.

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